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Este primeiro número da revista Joelho apresenta-se como a segunda série da anterior revista do Departamento de Arquitectura da Universidade de Coimbra ECDJ (Em cima do joelho). Foi lançado em Março de 2010 a par de um colóquio e uma exposição dedicados ao tema Mulheres na Arquitectura. É de louvar esta atenção ao papel das mulheres num departamento onde a maior parte dos alunos é mulher, mas cujo corpo docente é quase totalmente composto por homens.
     É uma curiosa coincidência que uma revista de nome Joelho seja dedicada ao tema Mulheres na Arquitectura. Este tema é um assunto delicado, uma questão difícil, um calcanhar de Aquiles, ou melhor um joelho de Claire, como o filme de Eric Rohmer. Em Le genou de Claire (1970), Jerôme, um diplomata de meia-idade em vésperas de casar, fantasia uma ligação com a adolescente Claire. Jerôme não seduz Claire, mas consegue tocar no seu joelho num momento vulnerável. O joelho é o catalisador das vulnerabilidades de Jerôme e Claire, e do mesmo modo a revista Joelho faz luz sobre alguns dos assuntos sensíveis na Arquitectura.
     O presente número foi coordenado por Jorge Figueira e está estruturado em três partes. A primeira é composta por dois ensaios, um de Figueira e outro de Silvana Rubino, ambos sobre o feminino na arquitectura; a segunda, por um conjunto de perfis biográficos de mulheres, nem todas arquitectas, mas fundamentais na arquitectura no século XX, elaborados por alunos de História da Arquitectura I; e a terceira, por seis ensaios, não sobre o tema da revista, mas escritos por mulheres, resultantes das suas provas finais de curso. A revista Joelho continua a tradição já estabelecida em Coimbra de publicar a produção teórica de estudantes dos vários anos do curso, uma massa crítica que tem sido estabelecida por revistas como a ECDJ, a NU e por uma forte linhagem de provas finais.
     O ensaio de Figueira lança o tema da mudança de paradigma, tanto na sociedade como na arquitectura, que tem sido contestado pelas diversas vagas feministas: o arquitecto autor e o político autocrático eventualmente serão substituídos por equipas onde as mulheres terão mais presença. Rubino reequaciona o trabalho de Charlotte Silvana Perriand, contextualizando-o e minimizando a leitura fatalista de Colomina a propósito da colaboração de Perriand com Le Corbusier. Tanto Figueira como Rubino prenunciam uma nova vaga feminista de mulheres menos contestatárias, mais tenazes, mas, sobretudo, em maioria.
     A selecção dos perfis biográficos inclui uma série de pioneiras da arquitectura em várias ins-tâncias: no Movimento Moderno (Gray, Reich, Schutte-Lhotzky), em Portugal (Marques da Silva), na Ásia (Minette Silva). Seria interessante agrupá-las por temas, visto que uma parte significativa destas mulheres é metade de uma parceria criativa masculina e feminina (Gray, Reich, Drew, Eames, Marques da Silva, Quintanilha, Smithson, Diller) e este facto seria merecedor de um artigo de fundo. No meio desta série de duos e pioneiras, apenas três são estrelas isoladas (Minette Silva, Bo Bardi e Hadid), e uma que se aventurou na reescrita da história da arquitectura (Colomina). Mas a lista está seriada por anos de nascimento, incluindo dez mulheres nascidas até 1930 e apenas três nascidas depois de 1945, o que apresenta uma imagem distorcida da participação feminina na arquitectura no século XX. A divisão entre os sexos é uma questão complexa; não esqueçamos que a arquitectura é uma actividade de colaboração, e que Hadid, por exemplo, representa um escritório composto por centenas de arquitectos, muitos dos quais são homens.
     Uma selecção diferente mostraria outras coisas sobre o papel das mulheres na arquitectura. Seria interessante mostrar a crescente participação das mulheres em arquitectura, com um pequeno cronograma representando o crescimento do número de arquitectas em Portugal no século XX e XXI. E também incluir Denise Scott-Brown, Madelon Vriesendorp, Caroline Bos, Anne Lacaton e Annette Gigon na longa lista de parcerias criativas; Kazuyo Sejima, precisamente no ano em que dirigiu a bienal de Veneza; Inês Lobo, em Portugal; Phyllis Lambert, a incansável promotora da arquitectura a trabalhar em todas as frentes; e a grande Jane Jacobs, que nos chamou a atenção para a simbiose entre a arquitectura e a sociedade.
     Felizmente Jacobs aparece num dos seis ensaios da terceira parte da revista. Estes ensaios são o sintoma das preocupações recentes dos estudantes de arquitectura de ambos os sexos e o espelho de alguns textos relevantes dos últimos 20 anos: a relação entre a matéria e a memória no espaço urbano, a revolução digital, Manhattan, arquitectura e propaganda, a relação entre museus e centros comerciais. As mulheres que fazem parte das narrativas nestes ensaios estão dispersas e são ainda uma presença subtil.
     O design gráfico da revista, da dupla R2 design, é exemplar na divisão das três secções em que se organiza, na escolha tipográfica e em pormenores interessantes, como as notas de rodapé integradas no texto e a gradação cromática no centro das páginas. De notar também a inclusão de Femme maison (1946-47) de Louise Bourgeois, obra que evoca a relação primordial entre as mulheres e o ambiente doméstico, a casa que é ao mesmo tempo a liberdade e a prisão. Os desenhos de Bourgeois evocam outros joelhos de Claire talvez ainda mais sensíveis.
     Esperemos que este seja o primeiro de muitos números da Joelho, que levantem questões difíceis e que abordem os joelhos de Claire e os calcanhares de Aquiles da arquitectura em todas as suas instâncias.|

ELIANA SOUSA SANTOS, Arquitecta


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